Sim, haverão dias em que te sentirás profundamente a sós. Mesmo cercado de muita gente, teus insondáveis campos íntimos estarão em silêncio, como um bosque sem pássaros.
Cercado de facilidades materiais ou pressionado por insuficiência de recursos, a sensação será a mesma: um vazio que coisa alguma preenche, e terrível sensação de abandono te esmagará a esperança no peito.
Pensamentos desconexos te assaltarão a casa mental, como um sicário lépido, deixando um resíduo perturbador de receio no prosseguimento das tarefas abraçadas.
Desistir de tudo te parecerá a alternativa mais cômoda e viável.
Além de tua janela, um sol esplende, um arco-íris coroa o firmamento e a terra gargalha de alegria com a chuva que umidifica o solo crestado, mas nada disso parece alterar tua apatia insidiosa.
Constatas que teu corpo funciona com regularidade, mas o ser que és perdeu o rumo e o entusiasmo para atividades que antes te eram tão prazerosas.
De onde brotou esse morbo que te afeta nas atividades do cotidiano?
Em que momento a alegria murchou, a esperança pediu licença e foi embora e teu entusiasmo sumiu na noite escura e medonha?
Em tais instantes sobram perguntas, faltam respostas.
Ninguém que atravesse os caminhos do mundo está blindado contra os reveses da hora difícil. Sob bombardeio incessante de forças contrárias aos ideais acalentados, algumas vezes somos atingidos pelos petardos que outras mentes disparam contra nós.
Encarnados e desencarnados aos bilhões dividem o mesmo espaço terrestre, separados por diáfana fronteira vibratória, a delimitar a matéria densa da rarefeita, e em ambas as dimensões os anseios são distintos, desiguais, conflitantes.
Mentes que estagiam no otimismo emulam outras mentes, criando ondas de disposição e coragem. Corações que se congelaram na perversidade esfriam outros corações, que estacionam nas margens das lutas evolutivas, incapazes de reação contra as más sugestões.
Mãos que se erguiam, incansáveis no bem, se fazem paralíticas, como se a meta não mais representasse um valor a ser buscado, e outras se erguem, operosas, sob estímulo de fontes ignoradas.
Esse será sempre um quadro a se apresentar no cotidiano das criaturas terrestres, onde duas populações interagem incessantemente, ora em ondas de prosseguimento das lutas, ora em deserção do dever.
Tem a coragem de assumir que ainda não te conheces inteiramente. Identifica, com clareza, que teu entusiasmo tombou na estrada, mas que pode e deves reerguê-lo, a bem de ti mesmo.
Somente Jesus esteve blindado contra esse estelionato de forças. Conhecedor profundo do rebanho que lhe estava confiado pelo Pai, jamais se permitiu antenar-se com as emissões da perturbação e do pessimismo, sempre observando o vir a ser a que cada um está fadado.
Tuas lutas não serão solucionadas sem teu contributo.
Vertigens e insucessos fazem parte do cardápio.
Queda é sintoma próprio de quem está de pé. Não cai quem já está caído.
Se existem muitos meios de derrubar um homem ou uma mulher nos ideais abraçados, igualmente sobram motivos para reerguê-los do chão onde pararam.
Pensa em quantos livros teus olhos já leram, te alforriando da ignorância.
Anotas quantas mãos de amigos te amparam nas horas difíceis.
Recorda os que oraram por teu equilíbrio íntimo.
Reflete na retaguarda que não enxergas, onde benfeitores espirituais te amparam em silêncio e anonimato, garantindo uma atmosfera de paz em derredor de tuas iniciativas.
Se estiveres sob a incidência de ideias martelantes para a desistência de tudo, sob o bombardeio de uma punção suicida, cogitando tudo jogar pra cima, desacelera esse ritmo alucinante de vida e busca um lugar à parte, silencioso e calmo.
Lê uma página refazente.
Ora, demoradamente.
Se as lágrimas te vierem aos olhos, permite vazar essa tensão que te consome e ninguém vê.
Recorda o anjo materno em teus dias de meninice, sempre a te incentivar, mesmo nas horas em que não mais acreditavas na vitória. E exumando de tua intimidade profunda essa incidência de fracasso, refaz tua agenda, levanta-te do chão e retoma tua marcha.
Se Jesus é por nós, quem se atreverá a ser contra nós?
Marta
Salvador, 03.03.2022