Diante das alvíssaras que sinalizam uma nova era, muitos se perguntam por onde começar a reforma moral da Terra. Vozes extremistas e radicais deixam claro que se pudéssemos fulminar os corruptos, desviados do caráter e propensos ao mal já seria um bom começo.
Quantas vidas seriam ceifadas nessa faxina ética? Quem faria esse serviço sujo e qual o método para eliminar tantos equivocados do sentimento e das emoções?
Partidários da política do mundo sinalizam que a paz universal teria início com a eliminação de partidos. Segundo estes, os males sociais tem suas raízes na discordância de pontos de vista e no embate entre ideologias que mutuamente se agridem, valendo-se de parlamentos e postos de comando da vida pública.
Certamente que a unificação de um pensamento no bem comum traria enormes benefícios para a coletividade, mas como obter unanimidade entre gênios opostos e egos em permanente estado febril?
Toda vez que a política terrestre se vê conduzida por poetas e idealistas, pacifistas e espírito público, a sociedade ganha avanços notáveis e o progresso consegue diminuir os abismos sócio-econômicos, mas quando o poder cai nas mãos de déspotas e psicopatas, a aflição e o medo costumam oprimir corações bem intencionados e sufocar ideais de libertação.
Talvez a paz universal pudesse ser conseguida quando houvesse a supressão das religiões sectárias e o silêncio de guias fanáticos e intransigentes. Ninguém discordará que o papel da fé na história humana foi fundamental para estruturar os alicerces da atual sociedade, mas uma só doutrina não será suficiente para satisfazer tantas concepções distintas, sob pena de estabelecermos um caos na administração do mundo. Religiões são alimentos para as almas e cada uma delas se nutre de forma distinta, sorvendo não o que quer, mas sim o que é possível de digerir no seu nível evolutivo.
A paz permanece uma utopia na concepção de poetas e lideranças comunitárias, mas enquanto as chaves dos quartéis estiverem nas mãos de militares sedentos de guerra e atrito, teremos sempre a fermentação escura da guerra nos intoxicando a vida em sociedade.
Volvamos ao pretérito não muito distante para resgatar alguma coisa esquecida e que ainda pode ser aproveitada nesses dias de tanta tecnologia e corações ressequidos.
Quanta comunicação virtual e um mar de solitários! Tantos discursos de paz e solidariedade e nunca se viu tanta discórdia por bagatelas e ninharias.
Avançou a cultura em todos os quadrantes e os analfabetos da alma se multiplicam, assustadores!
É desse passado que vamos resgatar a página sempre lida e repetida, porém, ainda incompreendida.
Atacada, nunca destruída.
Adulterada, mas roteiro para incontáveis vidas.
A carta magna da paz deveria ser o Sermão da Montanha. O roteiro político de parlamentos e fóruns de discussões. O manual da vida diária. O preâmbulo de toda reunião de condomínio e da assembleia geral das nações unidas.
Ali está o roteiro que vai nos facilitar a construção de um mundo mais justo e solidário, fraterno e humano, onde desnecessário será eliminar o homem equivocado e a mulher desajuizada.
O Evangelho nunca propõe destruir, mas sim transformar.
Em vez de morte, vida, e vida em abundância.
César se colocará a serviço do Cristo.
Os Barrabases de ocasião se farão cirineus do caminho.
O pão não será consumido pela avareza, mas dividido na mesa da comunhão plena.
A justiça deixará de ser tão somente punitiva, tornando-se educativa.
Os religiosos se permitirão o livre exame das questões dogmáticas, buscando o alinhamento de pensamento em torno dos fundamentos da vida.
A crença será superada pelo saber.
É bem provável que afirmes ser tudo isso um sonho distante, improvável, ficcional.
Talvez tenhas razão, mas tem gente sonhando e lutando por esse ideal e tem gente nos pesadelos, fugindo das responsabilidades que lhe são próprias.
Em qual terreno estagias teu coração?
Marta
Salvador, 02.03.2022