Por mais que se examine o Sermão da Montanha, o leitor atento encontrará sempre novos ângulos para sua edificação moral e filosófica. E nas anotações grafadas por Mateus, se sobressai o instante em que Jesus nos ensinou a orar.
Daquele inolvidável momento em diante, o "Pai Nosso" passaria à posteridade como a mais perfeita e sintética oração de todos os tempos.
Começando pela aceitação explícita de que Deus é nosso divino genitor, daí decorre a compreensão clara de que a humanidade é nossa família, merecendo acolhimento todo aquele que respira conosco o oxigênio terrestre. Plantas, irracionais e humanos são nossa família perante a progenitura divina, e daí decorrem todos os deveres que nos cabem na preservação da constelação familiar.
Em certo trecho do excelso canto, a oração dominical nos conduz pelos caminhos da súplica pela própria sobrevivência no mundo: o pão nosso de cada dia nos dai hoje!
O derivado do trigo foi inserido na sublime oração simbolizando todo e qualquer alimento que nos possa manter de pé e em funcionamento a máquina orgânica, mas podemos elastecer ainda mais a interpretação do que seja tal nutriente.
Não só de pão vivem homens e mulheres, mas igualmente de toda palavra, do verbo que emana da vida maior. Não obstante reconhecer que sem uma mínima cota de comida o ser estiola e perece, igualmente não se pode atravessar os áridos caminhos da vida sem o pão espiritual, decorrente da palavra libertadora.
A água da fonte viva.
O trigo da coragem.
Os cereais da boa vontade.
O sal da iniciativa no bem.
O fermento, levedando a massa e amplificando a mensagem iluminadora.
Enquanto os campos cultiváveis do planeta apresentam safras cada vez mais volumosas, não se pode esconder o sol com a peneira de que milhões sucumbem, à míngua, do alimento que provém do verbo nutritivo da esperança.
Alguém no peitoril do suicídio e uma expressão de solidariedade que pode ser decisiva para que o ato impensado seja abortado.
Um outro articula uma desforra, se imaginando blindado contra as consequências de sua ação nefasta, mas a palavra bem articulada de um terceiro em equilíbrio consegue dissolver aquele ódio, pacificando o quase homicida.
Eis alguém tragado pelo desespero. E um aconselhamento equilibrado arranca o ser em bancarrota da autoestima, lhe devolvendo o sentido existencial.
Sim, existem alimentos e alimentos. Em outra circunstância, Ele se valeu de alguns pães ázimos e peixe defumado para socorrer a canícula que castigava a multidão faminta, mas lastimou que houvesse somente o interesse do homem no pão da Terra. Ele portava nas mãos e nos lábios o trigo de Deus, com que poderia alimentar a alma para que nunca mais tivesse fome.
Não há relatos bíblicos de Jesus comendo. E mesmo quando junto ao poço de Jacó, em Sicar, Ele travou contato com a mulher samaritana, o Sublime Peregrino, conforme anotações de João, o Evangelista, instado pelos discípulos, a comer alguma coisa adquirida na cidade próxima, Jesus recusou delicadamente, informando ao grupo: a minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar sua obra.
Nem todos os dias o alimento surge farto na intimidade doméstica. Mais de um bilhão de pessoas hoje na Terra passam fome, apesar das supersafras, mas o número de aflitos da alma, anoréxicos das emoções superiores, famintos de um amigo e esquálidos do afeto perambulam pelas ruas e avenidas, buscando um alimento que não existe em prateleiras de supermercado, nem estão à venda em delicatéssens.
Somente o coração as têm.
Se faltar no matrimônio, este fenece e morre.
Escasso nos templos religiosos, induz ao fanatismo de grei.
Negado às massas esfaimadas, produz loucura e insurreições sangrentas.
Em renteando hoje com algumas pessoas, lembra-te da boa palavra. Instado a falar a alguns, inocula esperança em quem já não tem porque viver.
Digitando um texto eletrônico, recorda que tuas frases vão induzir atitudes e embasar opiniões alheias.
O que digas, muitos tomarão por verdade.
Teu silêncio poderá ser o extintor em algum incêndio provocado pelo surto do ego.
E uma única frase tua, bem posta e bem situada, pode devolver a sanidade mental em alguns que estejam nas trilhas da loucura irreversível.
Inicia teu dia ouvindo pela oração o que Deus quer de ti.
Prossegue o dia multiplicando essa assertiva.
E fecha tua noite com um instante de gratidão.
Semeando o trigo divino, estás no mundo espalhando entre famintos o pão de Deus, diminuindo a agonia de incontáveis. E em meio de tantas loucuras, sandices e despautério, tu podes, desde já, fazer a diferença entre a padaria e a penitenciária.
Experimenta. Amanhã a gente conversa.
Marta
Juazeiro, 04.10.2022