Em meio a tantas más notícias diárias, o pessimismo contumaz tece escura rede de sombras e medo, que impactam negativamente a vida de milhares de pessoas. Alegando que os sinais dão conta da destruição da Terra e extinção da raça humana, afirmam, desabridos, que Deus estaria ofertando um ultimato ao homem, impondo conversão ou aniquilamento e, logo em seguida, a volta triunfal do Cristo traria de regresso a esperança numa sociedade que colaria seus próprios pedaços para se reconstruir em bases renovadas, como desejavam os patriarcas do passado longínquo.
De quem seria o novo predomínio político e cultural? Esquerda, direita ou centro?
Teríamos no planeta instalada uma teocracia fundamentalista, centrada no cristianismo ou adotaríamos os mesmos padrões do judaísmo ancestral?
Interpretando que mansos e pacíficos herdariam os caminhos terrestres, para onde deportar milhões de violentos e agressivos, que não quiseram ou puderam se renovar ao gentil convite da paz?
O leão indomável caminharia pelas savanas africanas ao lado da lebre, ignorando a própria fome e adotando um sistema vegano de sobrevivência? De que forma a natureza alteraria um carnívoro desse porte da noite para o dia?
E se o mundo está destinado a ser uma instância regida pelas normas extraídas das lições cristãs, como converter de um instante para outro milhões de muçulmanos, budistas, xintoístas, judeus e outros religiosos, muitos dos quais aferrados a milhares de anos às mesmas crenças e valores?
Muitas outras indagações caberiam, todas elas robustas e dificilmente respondíveis à luz do fanatismo e da intolerância religiosa.
Ninguém haverá de discordar que o atual cenário enseja inquietações quanto ao futuro, apreensões no presente, fazendo soçobrar a esperança de muitos, mas se o momento desassossega e amedronta, não podemos nos furtar a pensar com lógica e bom senso.
Em presumíveis 4,5 bilhões de anos de existência, quantas oportunidades teve Deus para aniquilar ou renovar o planeta a um simples sopro de Sua soberana vontade? Se pôde e não o fez, não é bom. Se desejou fazer e não pôde, não tem as prerrogativas para ser um soberano universal.
Enquanto as modificações não surgiam por decreto divino, as culturas terrestres surgiram e se sucederam em milênios sem fim, se entredevorando umas às outras, em processo metódico de evolução e conquista paulatina de valores.
A arte sinfônica surgiu dos tambores tribais.
O grito de guerra se fez capela de cantos gregorianos.
A trombeta que convocava ao extermínio se amansou nas cordas de um violão plangente.
Tratados de guerra evoluíram para a poesia.
Em toda parte a lei de progresso e evolução se utilizou de princípios simples para promover sucessivas mudanças culturais, morais e emocionais no ser pensante, que tateava o mosaico terrestre, sedento de entendimento sobre si mesmo.
Filosofou, buscando equacionar os enigmas do destino e da dor.
Elaborou religiões e crenças, emoldurando Deus na sua compreensão fragmentária.
Ergueu templos religiosos e elaborou liturgias complexas para seus cultos, e neles buscou compensação para suas angústias à luz do destino.
Sorriu no berço e chorou ao pé do sepulcro, varado de dor ante a morte que não pode dominar.
Buscou na medicina e na arte da cura a longevidade corporal, ansiando se ocultar no vaso orgânico transitório, e ora se vê aterrado com as novas revelações que os imortais despidos de carne vem trazer pela mediunidade, desvelando o mundo novo, além do pó das criptas frias e tristes.
Imenso, colossal paradoxo se abate sobre uma sociedade tecnológica, que desvendou inúmeros segredos do átomo e a si mesma desconhece.
Esquadrinha as estrelas e ignora o chão onde pisa.
Arranca dos laboratórios e dos parques industriais novidades e invenções admiráveis a cada dia, mas não consegue ainda interpretar a lágrima de emoção nem entender o sacrifício por amor a um ideal.
Pobre criatura humana, mais credora de compaixão do que de crítica!
Ao lado de uma mole de oito bilhões de prisioneiros corporais, 25 bilhões de invisíveis ao olhar se movimentam em silêncio aos sentidos físicos, ainda grosseiros demais para lhes perceber a presença, mas não a atuação incessante como uma das potências da natureza.
Em meio ao turbilhão de tantas misérias e desgraças cotidianas, sob o jugo de forças titânicas e contrárias ao bem, não abandonemos a fé nem nos divorciemos da esperança.
A terra, calcinada pelo fogo, ressurge após ligeiro aguaceiro.
Trilhões de sementes aguardam, pacientes na cova escura, o ensejo da germinação.
Cada noite trevosa é dissipada pela claridade solar, a esplender em radiosa manhã.
Toma para ti mesmo a tarefa de nunca desesperar. Em meio aos cataclismas, resguarda-te na fé lúcida.
Procurado pelos maus, orienta tantos perdidos.
Percebendo dores e amarguras em torno, oferta uma palavra amiga e estende uma mão amiga ao caído na estrada comum.
Em tendo ensejo de possuir, distribui com quem necessita.
Acusado pelos servos da tolice e serventuários da perversidade, silencia e avança, promovendo a alegria numa criança e o entusiasmo no moço cansado.
A Terra se renova à medida que nos renovamos.
Sê tu o novo de que o mundo precisa e reclama, e faz de cada manhã sublime oportunidade de crescimento e renovação, aperfeiçoamento e progresso.
Cada archote aceso é uma claridade na noite escura que estamos atravessando, em direção ao admirável mundo novo.
Marta
Salvador, 06.04.2022