Primavera de Marta - Mensagem do dia 09.12.2022
- Casa de Jesus

- 9 de dez. de 2022
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No agitado contubérnio dos tempos modernos, estertora a criatura entre adversários cruéis de sua felicidade e plenitude. Excessivamente cercado de compromissos, necessidades ilusórias e reais, inquietações diversificadas das quais não consegue dar conta da metade, agita-se entre cobranças extorsivas que faz de si mesmo e tenta ser o que não é.
As modernas correntes da psicologia tem identificado um número cada vez mais crescente de conflitos nos seres humanos, resultado de sua inadaptação ao excesso de tecnologia, diminuição do diálogo presencial, ocultação artificial de suas crises existenciais e fuga para o virtual, buscando ambientes edênicos na tentativa desesperada de fruir uma paz ilusória.
Teme se perder e de si mesmo já se perdeu.
Receia admitir a existência de Deus, se refugiando em filosofias ou ideologias que negam a causa primária de todas as coisas.
Detém coisas e dentro delas se algema livremente, se fazendo preso e carcereiro de si próprio.
Busca relacionamentos afetivos com os quais não se identifica, atendendo às agonias da libido ou aos espetáculos da beleza transitória do colágeno.
Teme a velhice do corpo, agitando recursos terapêuticos e cirúrgicos para deter cronos, estacionando na idade ideal.
No conforto excessivo, se vê atingido pelo tédio, pelo ócio, algumas vezes rumando para o suicídio e os vícios, na tentativa de preencher o vazio existencial. Se refém da escassez ou agrilhoado à miséria quase que absoluta, se entrega ao crime ou torna-se revoltado contra as injustiças sociais que lhe desabaram na estrada da experiência evolutiva. Efetivamente, cada caso é um caso, e nem sempre isso ocorre.
Em muitas situações, observamos que homens opulentos se fazem mecenas de admiráveis organizações humanitárias, socorrendo vidas inúmeras, e criaturas desprovidas de recursos tornam-se modelos de virtudes nesses tempos escassos de atos de dignidade.
Ou o ser se conhece para administrar com serenidade e sabedoria aquilo que logrou ser, ou as injunções perversas externas o conduzirão ao paroxismo, instalando distúrbios do humor e da afetividade, que o afetarão sobremodo, gerando inquietação, ansiedade e depressão, além de fobias diversas.
Nunca se viu uma sociedade tão enferma quanto a atual, não obstante o formidável arsenal de medicamentos e terapias ao seu dispor. Os avanços da medicina, as descobertas sobre a interferência dos neurotransmissores sobre os humores do ser produziram uma revolução sem igual no campo da saúde mental e emocional, permitindo que se oferte aos milhões de afetados pelas síndromes modernas uma qualidade de vida que não se dispunha no passado. Mas se o olhar da ciência médica vai decifrando os enigmas da célula, se a máquina vai antecipando diagnósticos e o bombardeio de raios consegue minar as neoplasias ainda no seu nascedouro, nenhum recurso tecnológico conseguiu até hoje auscultar esse ser interexistencial, viajando pelos séculos sem fim, agregando em cada etapa palingenésica os valores construídos no ontem, rumando para o amanhã sem fim.
A concepção elabora a máquina orgânica na intimidade da trompa de falópio, pela nidação impõe seu crescimento na piscina uterina e projeta, em vigorosas contrações, esse ser no mundo externo nove meses depois. Décadas vividas, o faz acumular um patrimônio imenso no campo intelectual e moral, ensejando ao ser o aprendizado e o discernimento do bem e do mal, mas chega um instante em que a maquinaria começa a emitir sinais de desgaste, rompimento de peças importantes, alertando ao passageiro do comboio físico que a estação de desembarque não se encontra tão longe.
E de maneira súbita ou gradual, o tônus se extingue, ejetando a carta do envelope de ossos e cartilagens, a fim de que regresse ao país de origem.
É quando, na maioria das vezes, o ser se dá conta que viveu de aparências. Trocou o real pelo ilusório. Se fez vassalo de fantasias e conquistas efêmeras, que ficaram. Carrega anseios não realizados. Pontos da própria história reclamam ajustes que se recusou a fazer no momento mais oportuno.
Algemas o atam a interesses rasteiros.
Qual pássaro preso ao visgo da jaca, quer retornar à liberdade da floresta, mas não consegue alforria dos grilhões da inconsequência com que dirigiu e administrou a própria vida.
O número de pessoas nessas condições só cresce.
Lamentam as horas perdidas.
Choram, desconsoladas, as oportunidades aviltadas.
Desejariam refazer caminhos, agora não mais possíveis.
Esclarecer situações que distorceram para auferir vantagens indevidas, mas o cenário já mudou.
Esclarecer que estavam enganados, fanatizados por essa ou aquela corrente de pensamento, mas a ampulheta implacável não deu tempo para a retratação.
Que fazer, senão esperar?
Amigo da senda, te saúdo nesse dia novo! Debaixo do caramanchão da ternura, temos algum tempo para meditar, antes que a goela insaciável do mundo e da agenda nos arrebate no turbilhão de necessidades e compromissos.
Cinco minutos podem fazer a diferença. Uma pausa para avaliar se nossas buscas são legítimas. Meditar se estamos sendo um estorvo ou uma solução. Diferenciar claramente o que nos é necessário daquilo que é supérfluo.
Resgatar os amigos, diminuindo seguidores virtuais.
Menos máquina, mais gente real em nossas vidas!
Estar no mundo sem ser do mundo.
E nunca, em momento algum, perder a conexão com nossa realidade transcendente, em nos sabendo seres imortais, em passagem ligeira pelo carrossel da experiência física.
Aqui não é nosso lar. Estamos só de passagem.
Além das fronteiras da cápsula carnal, afetos queridos nos aguardam o regresso. Voltaram primeiro e sabem, agora, os enganos a que submeteram o próprio coração. Se te asserenas, podes, desde já, imprimir novo rumo aos teus pés.
Um novo proceder será fundamental para determinar tua felicidade futura ou desdita, tua sombra raivosa ou acender archotes em tua estrada.
Essa decisão é inteiramente tua.
Marta
Salvador, 09.12.2022



