
Em incontáveis séculos de aprendizado filosófico e religioso aprendemos a confiar nos deuses de pedra, lhes erguendo santuários famosos e prestando aos mesmos os mais variados tributos. E o paganismo, qual sopro de compreensão fragmentária da verdade, nos ilhou em nichos de reverência e adoração a esse ou aquele deus em particular.
Acorremos, em outros climas filosóficos, a gurus e sacerdotes, xamãs e anacoretas, iogues e avatares, tentando auscultar o mosaico da verdade que se oculta pela aparência do mundo, e encontramos aqui e ali alguma consolação para as desditas da vida em comunidade.
Os avatares, assim como chegaram, partiram, nos deixando cheios de incógnitas e sedentos pela verdade, que prosseguia distante de nossas mãos.
Peregrinamos por locais sagrados, terras inóspitas, desertos, esperando localizar numa caverna deserta ou numa floresta bravia os informes e as soluções prontas para as ocorrências dolorosas da existência humana.
Retornamos, desolados.
Sempre externos, fomos atrás de livros sagrados, papiros raros e alfarrábios escritos por mentes brilhantes, acreditando que em algumas letras ou versos, suras e versículos estaria o sumo da verdade, a esbater a ilusão que nos empanava o acesso à verdade total. Encontramos, apenas, fragmentos de reflexões, algumas parábolas antigas e velhos pensamentos deste ou daquele eremita.
Continuamos a saga em busca da paz perdida, a caminhada incessante pelo santo graal ou pela varinha mágica, capaz de por termo às desilusões impostas pela vida e pela morte.
Finalmente, exaustos de peregrinar em vão, nos assentamos em frente à nascente de nossa miséria moral e choramos nossa pequenez espiritual.
Nos confessamos em silêncio em bancarrota emocional.
Nossos deuses eram de pedra e por demais indiferentes ao sofrimento humano.
Nossos santuários são apenas lugares, e sua sacralidade somos nós que emprestamos.
Qualquer livro é bom, desde que o leitor esteja disposto a viver a lição que o exorta à mudança.
Foi quando O ouvimos em meio à massa de povo, onde vagabundos e homens falidos, mulheres chorosas e crianças famintas se acotovelavam para ouvi-Lo.
Ele dizia coisas simples, arrancando do cotidiano expressões que tinham enorme sentido para as vidas sem sentido.
Não prometia triunfos mundanos nem satisfação de carências corporais. Não emulava seus seguidores à guerra, não jogava o povo contra a gestão pública, não distribuía pessimismo ou destacava o mal em meio aos desesperados.
Ele parecia trazer uma estrela engastada na garganta, um sol no olhar e um mel nas mãos. Sorria, discreto, e consolava quantos O procurassem.
Reabriu pupilas mortas.
Multiplicou pães e peixes para extermínio da fome.
Reabilitou coxos e paralíticos, lhes devolvendo movimento e mobilidade.
Fazia da alegria sua companheira inseparável e da confiança em Deus Seu mantra de cada dia.
Aceitou cada um como cada um era, a ninguém julgou e tinha por diretriz reerguer caídos e fracassados.
Seu poema de luz nos arrebatou e nos deixamos ficar em Sua presença até Seu martírio.
Por que partir daquele jeito?
Que fizera de ruim para merecer tamanho infortúnio?
Onde estavam Seus amigos nas horas derradeiras?
Ele partiu numa tarde cinzenta, e ao sopro e frescor de um jardim regressou no terceiro dia, renovando em todos os corações a paz e a esperança.
Produziu a mais extraordinária revolução cultural, filosófica e ética que se tem notícia até hoje.
Dividiu a história.
Se cansaste de procurar teu guia em terras distantes, se já não cogitas viajar para santuários famosos, tentando obter contato com o sagrado, refugia-te em teu mundo íntimo e O encontrarás na curva de teu rio pessoal. Ali, apresenta a Ele teu grão de mostarda e Ele te fará semeador nas glebas difíceis, nas terras sáfaras e nos monturos de intransigência, acordando muitos para o dia novo.
Sê tu o meirinho da Boa Nova!
Ele não te pede sacrifícios. Ele suplica misericórdia.
Vai! O dia novo em tua alma já nasceu e tens muito o que recomeçar...
Marta
Salvador, 11.01.2022