Em um momento histórico sem precedentes, anotamos com imenso receio coletivo que notáveis conquistas se percam pelo desencadear da guerra.
Quando a ciência oferta impressionantes avanços ao ser humano, acenando-lhe com soluções para complexos enigmas da matéria, o rugir de canhões e a movimentação de tropas coloca em risco o incalculável acervo das descobertas que tem por objetivo beneficiar a humanidade. A inteligência de notáveis deixa de ser utilizada para erradicar doenças, produzir mais alimentos dos campos ou prolongar a vida na Terra, impulsionando a ciência médica para equação das enfermidades dilaceradoras. Em nome de ideologias violentas, atendendo a caprichos pessoais de tiranos empoderados ou satisfazendo a ambição da indústria armamentista, periodicamente as nações se permitem o contágio do morbo da ânsia guerreira e belicosa, desrespeitando tratados e aniquilando a esperança.
Em flagrante contradição, estamos todos numa sociedade mundial que se proclama religiosa na sua maior parte, cultivando algum tipo de fé politeísta ou monoteísta. O triunfo da transcendência já se observa nos anais da história religiosa, mas nunca deixamos de lado a fúria que assalta os homens vez por outra, os fazendo lobos uns dos outros.
Mesquinhas disputas de território fazem soar as cornetas da guerra. Divergências ideológicas ou religiosas autorizam o esmagamento de uma coletividade por outra, impondo sua cartilha teológica aos vencidos.
Ambições desmedidas fazem com que países bem equipados na indústria da morte rompam fronteiras, arrasando o vizinho para anexação de territórios ricos de minérios ou portadores de terras férteis. E como diria uma frase que ora circula nas redes sociais, atribuída ao aviador e militar alemão Erich Hartman, a guerra é geralmente patrocinada por idosos e maduros que se conhecem e se odeiam, mas evitam se matar, empurrando a mocidade e a juventude alistada para que se matem reciprocamente, mesmo que não se conheçam e não nutram ódio uns pelos outros.
E toda uma estrutura social e humanitária, artística e econômica desmorona por onde passa o carro frio da guerra, como se estivéssemos de volta aos tempos mitológicos, suplicando a Ares ou Atena, para os gregos, e Marte, para os romanos, que inspirasse as legiões nas chacinas a ocorrerem.
Onde localizar nos textos veneráveis das grandes religiões o cultivo da violência contra os que pensam diferente?
Como honrar um Deus que sustenta nos campos o lírio, ampara a ave frágil e faz o alecrim brotar de maneira natural, se parte de nosso tempo é direcionado para a fermentação da febricidade militar?
Onde os poetas, os menestréis, os pacifistas, que não logram substituir os cabos de guerra na condução dos países em atrito?
Como matar impunemente num momento e na semana seguinte estar num templo, buscando refúgio na oração e entoando hinos de louvor ao Eterno Pai?
Essa é a criatura profundamente contraditória de nosso tempo. A mesma mão que usa para afagar o filho ou passear com o cão na praça serve para apertar o gatilho ou puxar o pino da granada destruidora.
Entretanto, amargo é sempre o caldo residual dos conflitos estéreis, constatando que a guerra é opção pouco inteligente e ainda reflexo do nosso primitivismo. Se por um lado pode promover a libertação de povos subjugados, acelerar o progresso material da raça humana, igualmente aniquila santuários de artes, silencia os conservatórios e esmaga a esperança, espalhando luto e lágrimas em profusão absurda, inimaginável.
E mesmo quando esta não se alastra numa ocorrência mundial, temos sempre as guerras particulares. Os embates entre indivíduos. O conflito ideológico entre partidos políticos antagônicos, as querelas religiosas, que calcinaram muitas vidas ao longo da história.
Quanta falta faz a paz!
E um avassalador sentimento de impotência talvez te encha a alma de medo e desesperança.
Onde se refugiar quando do céu surgem as bombas?
Em que trincheira buscar abrigo na hora da invasão externa?
Por que a Divindade não faz cessar o carro de guerra, silenciando a metralhadora?
Espalha perfumadas rosas em derredor de teus passos.
Comenta para outros assustados tua confiança em Deus.
Escreve algumas linhas otimistas para os internautas em pânico.
Replica uma oração que te comoveu, para que sensibilize outros corações.
Se não puderes promover a paz em amplos limites, aquieta tua violência íntima.
Faze-te um pacifista, mesmo que outros te acusem de indiferente.
Em momento sublime do Sermão da Montanha, Ele afirmou que os mansos herdariam a Terra.
Cultiva a mansidão.
E os pacificadores seriam chamados filhos de Deus.
Faz valer tua progenitura divina.
Entre o rifle e a flor, a granada e o pão, o tanque e a carroça, o morteiro e o arado, conhecendo Jesus, já não podes alegar indecisão na escolha.
Marta
Salvador, 11.03.2022
Comments