Qual o tamanho do impacto que o contato com as verdades novas provocou em tua alma?
Em emergindo da modorra pesada do sono corporal, teus primeiros raciocínios desta manhã giraram em torno de tuas atividades no mundo. Conduzes algumas certezas e um poço de interrogações parece inundar tua delicada tela mental, exigindo pronta resposta.
Não as tem, pelo menos por enquanto.
Como tantos, tuas necessidades estão resumidas a atender o veículo orgânico em que te movimentas, cumprir uma escala de trabalho e regressar ao ninho doméstico no fim do dia, se refazendo das muitas fadigas. Entretanto, de alguns anos para cá alguns livros mexeram com teu senso comum. Algumas exposições te pareceram descortinar um mundo novo. Fatos inabituais te arrancaram da zona de conforto e resolveste investir num terreno desconhecido até então.
Teu sentido existencial mudou de foco. O que antes te preenchia, ora perdeu o sentido.
A velha roda de conversa não te agrega valores e buscas dilatados campos no terreno da filosofia e da religião, tentando entender de onde procedes e para onde vais após o decesso cadavérico.
Nunca o tema da morte tinha te sensibilizado tanto como agora. Assistes o noticiário e aquele receio de que o mundo estivesse à beira do precipício ou prestes a ser fulminado por um decreto lavrado pela ira divina se desvaneceu quase que completamente.
Teu olhar presentemente enxerga renovação onde outrora só percebia degradação. Equivocados e psicopatas são enfermos da alma, reclamando tratamento e segregação justa e não agentes das sombras, como admitias.
A culpa foi eliminada de teu dicionário pessoal e hoje te reportas, com maior frequência e ênfase, à responsabilidade que cada um deve assumir pelos próprios atos ou pela inércia adotada.
Outrora, balbuciavas uma prece ligeira, como se maquinalmente mobilizasses uma centrifugadora ou um liquidificador. Agora, a oração consegue umedecer teus olhos e por dentro do peito parece se dilatar uma emoção que desconhecias.
Alguém em penúria, que te batesse à porta, era inoportuno visitante a te incomodar na hora do noticiário da TV ou quando estavas nas futilidades das redes sociais. Agora, teu olhar fita o outro em muda súplica e te perguntas internamente: e se fosse comigo, como gostaria de ser tratado?
Enquanto teus velhos amigos buscam nos finais de semana o chope gelado, a praia ensolarada e a roda de samba, teus interesses deram um giro de 360 graus. Investe teu tempo livre em saraus culturais, buscas leituras profundas e vínculo com alguma tarefa de assistência e promoção social, onde tuas mãos conduzam o pão ao faminto e a cesta básica ao lar em miséria chocante.
Teus sorrisos estão mais escassos. Tuas lágrimas mais abundantes.
Não, não te convertestes em uma criatura amarga ou segregada nos porões da depressão. Não fizeste acordo explícito com o fanatismo de grei. Não tencionas adotar uma postura que te isole do mundo, te situando numa estranha redoma, que se assemelhe aos místicos e anacoretas da Idade Média.
Desejas apenas servir ao teu semelhante.
Uma claridade nova te banhou o coração.
Elegeste um outro modelo de vida e um paradigma abalou tuas estruturas da sensibilidade e das emoções.
Ele também foi muito esquisito para uma época tão recuada na história.
Veio ao mundo num cocho de animais. Sua maternidade foi numa lapinha.
Pais pobres.
Desconhecido até os trinta anos.
Vai a uma vila de pescadores e alicia 12 deles para um curioso ideal: renovar o mundo a partir da plataforma do amor.
Que homem sem noção!
Tudo eram intrigas, sua nação subjugada por Roma, conchavos e disputas no sinédrio, homens armados e raramente amados.
E Ele tentando hastear uma bandeira que pregava mansuetude, paz, gentileza, serviço desinteressado aos mais vulneráveis.
Conseguiu convencer alguns.
Possuía estranhos poderes.
Salvou um casamento do fracasso quando o vinho acabou, devolveu movimento a paralíticos e reabilitou pupilas secas em muitos invidentes.
Diante da massa de famintos e desgraçados, aproveitou alguns pães e peixes e conseguiu alimentar cinco mil pessoas, sobrando apreciável provisão para os não presentes.
Quem esteve com Ele se renovou completamente, mas é verdade que não foi todo mundo. Alguns O conheceram, estiveram com Ele e nenhuma mudança imprimiram à própria vida.
Certamente que foi esse Messias que mexeu com tuas estruturas e dos teus campos crestados fez brotarem flores.
Tua madrugada se fez aurora.
Tua escuridão foi dissipada pela claridade que emana D'Ele.
Perdoe minha inconveniência, mas preciso te perguntar:
- Quanto Ele cobrou pelos conselhos que te fizeram uma nova pessoa?
- Tu podes me adiantar o endereço onde igualmente o possas achar?
E teu dedo indicador apontou simplesmente o centro do tórax.
Marta
Salvador, 13.09.2022