Face a um mundo em convulsões de natureza comportamental e moral, milhões de indivíduos buscam refúgio nos inúmeros templos religiosos da atualidade. Erguem-se estes por verdadeiras casamatas de proteção contra as intempéries de natureza psíquica e ética que assinalam os dias correntes.
Não obstante os notáveis avanços da ciência e as estupendas conquistas da tecnologia, o ser parece ter perdido o endereço de Deus e se recusa a voltar seus holofotes para a iluminação interior, sempre sedento e febril na conquista dos valores de consistência transitória.
Por mais que avancem as teorias de um Bauman, de um Viktor Frankl, igualmente convergentes com notáveis pensadores dos séculos XIX e XX, como Aurobindo e Yogananda, ainda constatamos uma busca desenfreada pelo ter, olvidando-se a consolidação do ser pelo autoconhecimento, que deflui natural da viagem interna que cada um deverá empreender para dentro de si mesmo.
Numa massa de pessoas cada vez maior, onde já somos 8 bilhões de seres humanos respirando no escafandro carnal, as diversas religiões estão sendo utilizadas por muitos como fuga psicológica da neurose que os aturde na modernidade líquida em que mergulhamos, aliciados pelo vigor do materialismo reinante.
As longas vigílias e o ascetismo que eclipsam muitas consciências, as impedindo de contemplarem outros quadros da existência, tornaram-se verdadeiras blindagens contra a realidade da vida. A adoção de posturas ultra radicais, elaborando bolsões de intoleráveis e intransigentes, numa sociedade cada vez mais plural, tem sido fábrica de psicopatas e intolerantes. As posturas fanáticas, gerando inquietação e medo nos indivíduos e grupos, que se armam para defesa intransigente de seus pontos de vista, servem como caldo nutritivo para pseudo-religiosos, desprovidos de compaixão para com o próximo. E enquanto milhões se aquartelam em abadias e igrejas, mesquitas e sinagogas, como soldados de princípios dogmáticos imutáveis, além das paredes do templo perecível pulsa uma sociedade que se combate reciprocamente e consome fosfato excessivo nas redes sociais, buscando um lugar ao sol ou o predominio da sociedade de consumo.
Davi e Golias dos tempos modernos, em luta desigual pela supremacia das paixões que os inquietam incessantemente.
Inegável reconhecer, nesse contexto de ilusões e aparências, que Teilhard de Chardim apresentou uma notável contribuição para que a ciência não se divorciasse do sagrado que ainda subsiste em nós, pavimentando uma estrada onde onde o ser não se chafurdasse no mundo, afogando-se nas águas turvas da matéria, nem se alienasse na apropriação exclusiva do reino de Deus, como se este lhe pertencesse unicamente, em detrimento dos demais.
Não seja de estranhar que em pleno século XX a figura de Satanás tenha sido reabilitada pela teologia da prosperidade, num fenômeno do resgate do medo como ferramenta de manipulação das massas.
Ainda refém dos mitos, o homem e a mulher carregam consigo o temor de que o adversário de Deus possa lhes furtar o clarão das estrelas, lhes desviando a rota para a morada celeste.
A religião, nesse ponto, se converteu num escudo protetor contra as investidas do cruel adversário, que prossegue temido pelas massas inconscientes e muito bem nutrido pelas castas do moderno sacerdócio remunerado.
Tem-se urgência de uma teologia liberta do dogma ancestral. Reclama-se uma filosofia existencial que estimule a criatividade e retome a maiêutica socrática, incentivando o pensar numa sociedade que optou apenas pelo prazer. E uma ciência que se proponha estabelecer capilaridade com os campos investigativos do transcendente, dilatando as próprias teorias e enquanto devassa a matéria, edificada em átomos e moléculas, acaba por chegar à energia pensante, que é o Espírito imortal.
A complementaridade nos ofertará em algumas décadas uma religião científica, ao mesmo tempo produzindo uma ciência religiosa, que edificará, gradualmente, uma sociedade comprometida com o bem-estar de todos.
O Espírito triunfará sobre a matéria.
O coração dividirá a existência com o cérebro.
De religioso, o ser adotará a religiosidade que se lhe escasseia presentemente.
Um estudo do Cristianismo primitivo nos ofertará sólidas bases para concluir que já houve uma tentativa de unificação dos saberes, indicando que pelo amor o ser conquistará o mundo, a si mesmo iluminando-se nas trilhas da evolução. E sem amor, qualquer grandeza material e científica não passará de passaporte para a loucura e a anarquia, elementos perniciosos de uma sociedade sem Deus.
O Cristo foi e permanece como sendo o mais límpido paradigma e modelo que a Providência Divina já ofertou ao atormentado homem das estrelas, em suas buscas insanas por domínio alheio, ignorando seu inexplorado mundo interior. Somente quando se permitir o autoconhecimento, saberá quem é e o que veio aqui fazer, se projetando além das sombras terrestres para as desconhecidas paisagens fora das fronteiras sensoriais.
Desperto para sua realidade profunda, nada mais o deterá no vigoroso impulso para tornar-se uno com a Consciência Cósmica, a quem chama Deus.
Marta e Leon Denis
Salvador, 14.01.2022