Não será exercício muito difícil perceber que diariamente estamos cercados de pessoas de temperamentos variados, cada uma exibindo os valores a que pôde chegar. E por isso mesmo, não nos cabe exigir das mesmas troféus a que não fizeram jus, nem lhes cobrar virtudes das quais estão divorciadas ou por adquirir nos caminhos da vida.
Pessoas desertos. Se fizeram áridas, secas, quase que intransitáveis. Só muito raramente ofertam oásis verdejantes aos caminhantes da estrada. Muitas se mantém impermeáveis às monções de amizade e ternura, optando pela secura no trato dos relacionamentos interpessoais.
Pessoas polos. Optaram pelos extremos. Opiniões cristalizadas. Rigidez no trato, pragmatismo asfixiante, desdém para com opiniões alheias. É difícil a convivência com elas. São reféns de um mundo criado por elas mesmas, cuja atmosfera permitiu entrada sem ofertar saída.
Pessoas cactos. Escolheram desenvolver espinhos. Ferem, machucam opositores e quem pensa diferente. Não exibem flores nem ofertam frutos. Foram machucadas e escolheram machucar. Não são más. São arbustos doentes, plantas intoxicadas, com dificuldade de fazerem fotossíntese emocional.
Pessoas mar morto. Acolhem um Jordão de possibilidades, mas se fizeram salgadas demais e ceifam na salinidade excessiva qualquer expressão de mudança. Perderam a auto estima e acreditam apenas nas próprias cartilhas pessoais. Sobrevivem, evitando novas irrigações. Foram intoxicadas ou se permitiram envenenar as suas águas íntimas.
Pessoas florestas bravias. Num olhar superficial, são luxuriantes e fascinam pelo verde exuberante, mas quando visitadas estão fechadas em si mesmas. Não ofertam trilhas, não abrem veredas, o acesso é difícil e penoso. Consentiram que em seu solo medrassem árvores de toda espécie e por isso não possuem uma identidade clara. Manipuláveis, se fazem joguete de interesses estranhos. Não toleram podas de seus gravetos estéreis ou remoção de árvores mortas. Exibem flores, mas seus frutos são escassos.
Pessoas oceanos. São tão dilatadas que não conseguimos lhes ver as margens. Onde começam? Onde terminam? Permitem navegação, desde que ninguém mergulhe em suas águas profundas e escuras. Escondem peixes e uma vida marinha abundante, mas nem sempre se fazem generosas na oferta de alimentos aos viajantes. Em alguns momentos, se permitem ser águas calmas. Provocadas, tornam-se revoltas e despedaçam barcos frágeis em suas superfícies líquidas vastas.
E de comparação em comparação, poderíamos localizar muita gente nessa ou naquela situação de assemelhado, mas a nova mentalidade nos cobra verificação de nós mesmos.
Quem somos para o outro?
Como reagimos quando provocados ou contrariados?
Nossa lucidez permite aceitar a corrigenda do mundo sem revolta, a crítica sem melindre e a opinião contrária sem polarização?
Sim, já temos frutos. Os outros, também. Nossas ramas florescem periodicamente. As galhardas alheias, idem.
Ninguém tão seco que não tenha uma fonte ou um filete de água fresca. Ninguém tão gelado como a Sibéria que não conserve uma gruta onde se possa buscar abrigo e calor na noite gelada e escura da atualidade.
Precisamos, com urgência, sair da periferia de tantos anestésicos e distrações para uma viagem séria e comprometida ao nosso mundo interior. Ter a audácia de um Otto Lindebrock e seu sobrinho Axel, que desceram ao centro da Terra para descobrir um mundo que a superfície ignorava. Júlio Verne, na sua ficção científica de 1864 (viagem ao centro da Terra) descortinaria uma entrada na Islândia e uma saída na Sicília.
Tudo que somos teve um começo. O que fazemos agora espelha nossa fauna e flora privativa. O que seremos será livre escolha ou escravização voluntária a esse ou aquele agrotóxico aplicado em nosso solo emocional.
A mensagem de Jesus é excelente semente de vida eterna. Seu adubo tem todos os ingredientes para nossa correção de solo muito ácido. As ferramentas para melhoria do terreno estão ao nosso alcance.
Que nos falta?
Vontade, disposição de sair das velhas e cômodas cartilhas de sobrevivência, abandono da zona de conforto e descida ao vale de nossas sombras, onde nos cabe, desde ontem, o joeirar de nosso chão, a semeadura de novas possibilidades e o cuidado com os gafanhotos oportunistas, os pássaros aproveitadores das safras alheias e a incursão noturna de adversários de nosso trigo, tentando jogar joio ou outras ervas imprestáveis em terreno que não lhes pertence.
Eles podem fazer isso. Resta saber se vamos nos permitir cultivar a estufa medíocre de terceiros, abrindo espaços em nossas terras férteis para ensementar duvidosas florações.
É provável que consideres as reflexões agrícolas demais para teu senso comum. Talvez tenhas razão, mas ninguém poderá esquecer nem olvidar que em momento sublime de Seu messianato, Ele se referiu ao poder da mostarda desprezível e exaltou o esforço do semeador, que saiu a semear...
O resto da parábola já sabemos
E aí, que vais cultivar hoje?
Marta
Salvador, 14.07.2022