Em tempos priscos, Sócrates se fez acompanhar de muitos jovens atenienses, que buscavam no pai da filosofia uma razão para viver. Em companhia destes, fundou uma notável escola de pensamento, a maiêutica, propondo o pensamento lúcido e questionador acerca do vida e do existir.
Quase no mesmo período, Sidarta Gautama se fez acompanhar desde Capilavastu por inúmeros admiradores e curiosos, interessados em descobrir as causas de seus carmas, equacionando as incógnitas do destino e compreendendo melhor o porquê das castas.
Apolônio de Tiana vivia cercado de aprendizes e curiosos, quando percorria a Capadócia ou falava em Tarso, sempre ajuntando muitos jovens e adultos em torno de seus ensinos sobre a ética e o dever.
Por onde passou, Jesus galvanizou a atenção e atraiu para si a curiosidade das massas. Vilas, pequenos burgos e cidades diminutas receberam-Lhe a visita luminosa, em cada uma delas descerrando uma nesga de vida plena e um ensino centrado nas palavras de vida eterna.
Mais tarde, Francisco de Assis caminharia pela úmbria, esclarecendo jovens e moços sobre a natureza como manifestação da bondade Divina, exaltando o amor e a bondade como vínculos eternais entre nós e Deus.
As passeatas dos tempos modernos passaram a ter outro formato, estando assinaladas por curiosas motivações.
Desde os anos da juventude rebelde, no final da década de 60 do século XX até os dias hodiernos, temos manifestações nas praças e logradouros públicos, buscando exaltar esse ou aquele ideal de luta coletiva, nem sempre ornado de pureza ou sentimento elevado nos seus propósitos ou nas suas reivindicações.
Jovens chineses foram esmagados pela intolerância do governo central quando, na Praça da Paz Celestial em 1989 protestaram contra a ausência de democracia e liberdade no gigante asiático e, sob hedionda repressão policial, centenas perderam a vida.
Em nosso país tivemos os anos dourados, onde grandes manifestações populares buscaram protestar contra as baionetas que exilaram pensadores e intelectuais, privando a sociedade do direito de escolha.
Sim, elas tiveram lugar em vários momentos históricos e por causas distintas. Fizeram surgir lideranças controvertidas, algumas pacíficas e outras incendiárias. Importa que cada um tenha consciência do porquê de estar ali, se imunizando contra o extremismo e evitando o contágio com a agressividade que faz soçobrar os ideais defendidos.
Perde-se a razão quando se perde a direção das energias empregadas no propósito da reivindicação. E ficamos a sonhar com uma passeata liderada por Jesus nas avenidas de uma grande cidade de nossos dias.
Aglomeração pacífica numa praça.
Cânticos e violões se fariam ouvir por toda parte. Abraços fraternos, sorrisos de júbilo, encorajamento em cada olhar. Nenhum tumulto, nenhuma depredação ao patrimônio público ou privado.
Flores seriam distribuídas aos não manifestantes como gesto de gentileza e convite à expansão da paz interior.
Após uma caminhada por alguns quarteirões, Ele subiria outra vez numa plataforma que lhe ofertasse visibilidade e diante da massa de povo, assentada na grama da praça ou acomodada nos bancos de cimento Ele, com um simples olhar, faria reinar absoluto silêncio, apenas quebrado pelo vento leve e pelo canto de pássaros.
Nos contaria outra vez o Sermão da Montanha.
Nos falaria uma vez mais sobre as primícias do Seu reino.
Convidaria-nos à deposição das armas e que cultivássemos a mansuetude diante da violência reinante.
Rosas sem espinhos em cada jardim.
Casas sem muros.
O estrangeiro fosse acolhido como um irmão querido de outras terras.
Que o idioma universal fosse o amor.
Que ampliássemos as fronteiras internas, nos abrindo à Boa Nova.
Nenhum gesto ou frase de intolerância, dando ao outro o direito de ser como melhor lhe pareça.
Magnetizados pela facúndia do Cristo, ao final de Seu discurso de amor e fraternidade, entoaríamos em uníssono a mesma cantilena de liberdade e mudança interior:
- Glória a Deus nas alturas! Paz na Terra aos homens e mulheres! Boa vontade para com todos.
O Mestre regressaria sorridente às regiões felizes do infinito e nós começaríamos a viver sob os esplendores de um novo dia.
Alguém dirá, entre a ironia e o sarcasmo: estás sonhando!
Pode ser que a pessoa tenha razão, mas não estamos sonhando sozinhos.
Qual é o teu sonhar para hoje?
Marta
Salvador, 18.03.2022