Em incontáveis milênios de peregrinação nas vastidões dos continentes terrestres, o homem aprendeu a extrair do meio ambiente os alimentos de que necessitava para sua e a sobrevivência do clã.
Fez-se predador de florestas e bosques, rios e mares, campos e savanas, ali caçando antílopes e gazelas, porcos selvagens, e das árvores coletando frutos abundantes. Se expôs a inimigos e perigos que desconhecia, e se valendo de paus e pedras fez valer a força no domínio das paisagens e dos territórios ocupados de onde arrancava o sustento da tribo.
Vagueou muitos séculos por regiões ricas e férteis, e sob inauditos esforços aprendeu o manejo da agricultura, domesticou animais e mudou o curso de rios e nascentes para garantir suprimento de água.
Além do instinto de conservação, perseguia-lhe a fome, esse fantasma que acompanha a humanidade desde a aurora da raça pensante no globo.
Para nutrir o corpo, no qual age no mundo, consumiu carboidratos, proteínas e sais minerais subtraídos de raízes e tubérculos, frutos e grãos, sempre com o acompanhamento do abate de grandes animais.
É carnívoro a milhões de anos.
Entretanto, a carruagem orgânica foi sofrendo paulatinas modificações, impostas pelas leis de progresso e evolução, sutilizando a nutrição e dilatando novas possibilidades de abastecimento de sua vitalidade por elementos menos pesados.
Iogues, místicos e religiosos, na tentativa de manterem contato com o transcendente, refinaram o cardápio, buscaram exercícios de renúncia ao mundo e desenvolveram práticas de ascetismo que deram início ao primórdios da goércia, da mitologia e dos pródromos das religiões ancestrais, quase sempre de caráter politeísta.
E após vencidos incontáveis séculos de evolução e experimentos, o domínio do fogo nos ofertou as infinitas possibilidades de defumar alimentos, amaciá-los e temperá-los para melhor aceitação ao paladar, que foi sofisticando-se ao longo do tempo.
Hoje, quando o veículo material se mostra menos compacto do que o do gigante neandertal ou do espécime de Java, nossa nutrição vai além do posto no prato de cada dia.
Há uma gigantesca necessidades de elementos que nutram a alma. Somos uma sociedade carente de amor e subnutrida de afeto e gentileza.
Por toda parte os famélicos de atenção. A anorexia de bondade e os desnutridos de compaixão se somam aos milhões.
Ao lado do pão de trigo, cada dia mais escasso, temos ainda a multidão de pedintes pelo pão do céu. Buscam um Jesus em cada esquina, na esperança de que Ele volte para multiplicar peixes, acalmando a turba em fúria pelo estômago atormentado.
Um minuto de prece e se afigura sorver um manjar de elevado teor vibratório, diminuindo tensões contínuas.
Uma conversa rica de apontamentos saudáveis e eis a solidão batendo em retirada.
Um abraço demorado pós pandemia e parece que a alma reencontra o repasto da felicidade.
Sim, nem só de pão vive o homem.
Em dispondo de recursos, coloca em tua mesa tudo que o dinheiro abundante te permite adquirir nas custosas delicatessens da atualidade, mas não esqueças de que além de tuas prateleiras fartas e da geladeira sobrecarregada caminham esqueléticas almas, zumbis emocionais e dráculas interiores.
Vagueiam entre a incerteza e o desespero. Submetidos à insegurança alimentar, novo verbete para equivalência da fome devastadora, não te isentes de ofertar algo de ti para melhorar esse cenário de amargura e aflição, ansiedade e agonias difusas.
De tuas atitudes podem vir alimentos emocionais. Teus sentimentos nobres podem irradiar luz nutritiva para almas em sombras. Uma frase tua pode reerguer um caído, tombado na avenida da própria fragilidade.
Em tempos de fartura externa e misérias morais, posses abundantes e vazio existencial, domínio de muitos e desgoverno de si mesmo, sê tu árvore generosa, doando em plena estrada sombra aos caminheiros e frutos aos famintos.
Se tuas raízes estiverem fincadas no solo de Deus, o Divino Jardineiro garantirá tua seiva farta em meio aos desertos humanos.
Marta
Salvador, 18.08.2022