Avoluma-se, dia a dia, o caudal das dores e misérias que ora espancam a criatura humana, em estágio iluminativo na Terra. Não bastassem as ocorrências individuais, a estas se somam os conflitos coletivos, o desassossego das massas esfaimadas e sem trabalho, buscando, em desespero, a sobrevivência a qualquer custo.
Ao cenário pandêmico, ainda não esgotado em suas dores e amarguras, o cenário do presente conflito armado no leste europeu impõe sobre muitas almas a incerteza sobre os dias do porvir.
Não há um só período de vinte e quatro horas em que não sejamos atingidos por notícias desagradáveis e ocorrências inquietantes, despejando mais pessimismo num horizonte já sombrio por si mesmo. E o suicídio, o surto psicótico, as enfermidades emocionais e uma gama de contratempos parece tempestade furiosa, a desabar no telhado de cada um.
E todas as criatura tem seu limite de suportação. Este, atingido pelo chavascal de dores, mergulha no mutismo, tentando isolamento da alta voltagem de conflitos que o eletrocuta.
Aquele, fragilizado ante a ventania do desemprego súbito, se deixa avassalar pela depressão destruidora, adentrando-se na furna sombria da negação diante da luta. Mais um, em se observando exausto, à frente de demandas que não consegue atender, vale-se de aditivos químicos para anestesiar a consciência, tentando isolamento das tensões que o maceram sem piedade.
Incontáveis, fogem para religiões diversas, na infantil tentativa de negociar com Deus a eliminação dos problemas, mediante negociata com seus representantes terrestres.
E para uma minoria, o tsunami de problemas e dificuldades não oferta escapatória, os lançando no olho do furacão quase que em estado constante.
Começam o dia no cansaço e terminam na exaustão. São procurados incessantemente por subordinados e superiores hierárquicos, recolhendo nos ombros uma carga de compromissos superiores às próprias forças, que procuram se desincumbir da melhor forma possível. E sob o peso incoercível de inúmeros problemas materiais, ainda se veem constrangidos a serem orientadores de muitas vidas perdidas ou em paranóia.
O sacerdote, que ocultando as próprias úlceras morais, tem que ofertar diretrizes de segurança para as ovelhas perdidas. O pastor digno e fiel ao mandato religioso, que se vê buscado por incontáveis obreiros, a passarem dificuldades e dores que ele tem de orientar e auxiliar. O trabalhador do bem, que se colocou na vida como ponte entre as duas realidades existenciais, constantemente assediado por rogativas e petitório de amigos e conhecidos, muitos dos quais francamente renteando com a obsessão ou claramente desequilibrados nas emoções.
Como atender à massa de aflitos em tempos de guerra?
Como ministrar o remédio escasso a tantos enfermos?
Como sugerir equilíbrio sem perder o próprio?
São desafios da convivência interpessoal dos tempos presentes. Em meio a uma sociedade profundamente ansiosa e barulhenta, agressiva e manipulada por forças contrárias ao bem, sob bombardeio incessante de exigências e notícias ruins que não consegue assimilar, não seja de estranhar a fuga de tantos para as redes sociais, ali buscando contatos que não preenchem o vazio existencial, exibindo sorrisos postiços, uma juventude bem elaborada por filtros especiais e uma felicidade ansiada, porém, não conquistada.
Imperioso desacelerar essa fórmula um em que estamos todos numa disputa insana, lutando pelo pódio das conquistas passageiras.
O "ter" produziu uma sociedade carente e frágil, sedenta e ignorante do que seja "ser".
O comboio dos famintos da alma avoluma-se, qual hemorragia inestancável.
Fundamental refletir sobre o significado da existência na Terra, meditando sobre as nossas buscas sôfregas e o que realmente nos preenche.
Como estamos lidando com o imanente e o transcendente.
Não ter receio de analisar nossos medos íntimos, os colocando no divã para a terapia libertadora.
Se perceber de maneira emocional e psicológica como um ser imortal, e não tão somente um punhado de ossos e cartilagens, sacolejando cada dia ao sabor da oxitocina e das proteínas.
Constatar que a vida não se resume tão só na dispensa cheia, na conta bancária polpuda e nos penduricalhos eletrônicos dos tempos modernos. É preciso sair da redoma e criar pontes com o outro, o amparando em suas necessidades humanas.
Nossa Gaia azul carrega hoje oito bilhões de vidas no corpo, e cada um tem seus mistérios, seus sonhos e sua história.
Risos e lágrimas nos acompanham a cada dia.
Pesadelos e fantasias compõem o mosaico de nossas atribuladas existências. E nossa passagem por aqui é muito breve. Não permitamos que seja sem sentido.
Busquemos Jesus nas horas de testemunhos. Atendamos o outro em Seu nome. Mesmo sob invencível cansaço, ofertemos uma palavra de consolo.
Encontrando um perdido, o retiremos da incerteza.
A um tombado, estendamos a mão.
Ante a massa de aflitos e desenganados, recordemos D'Ele ao pé das multidões. De dois peixes e três pães, fez repasto para cinco mil.
Na impossibilidade de O imitar, multiplica tuas preces e amplifica teu silêncio em meio à algazarra. Sê na noite escura uma lamparina modesta, sustentando um fio de luz até que o novo dia inunde de claridade solar a rota da humanidade inteira.
Nunca te faltará o combustível divino.
Marta
Salvador, 21.03.2022