Sempre que as nossas atividades nos permitem alguma pausa, procuramos participar e conhecer os alegres e instrutivos saraus filosóficos e culturais, artísticos e musicais que movimentam a vida da população invisível ao olhar comum. Numa dessas ocasiões, acolhemos um grupo de "operárias da esperança", nome que elas mesmas se atribuíram, nos convidando para algumas reflexões acerca do papel feminino nos tempos agitados que estamos todos vivendo.
Aquiesci, sem qualquer delonga.
Na oportunidade aprazada, o salão regurgitava de homens e mulheres, todos pais e mães na finda peregrinação pelo vasilhame carnal. Tudo transpirava simplicidade e organização impecável, sem qualquer nota de luxo ou destaque, ainda tão comum entre preletores convidados.
Antes de composta a bancada com minha anfitriã, ouvi muitos relatos comovedores, que aqui alinhavo para minha própria edificação íntima.
Luzia, a professora rural que nos confidenciou que mesmo remunerada com um salário indigno, fez-se mestra de muitos filhos de agricultores analfabetos, os ajudando a sair da miséria material em que a família estorcegava. Camila me fez confidente das árduas lutas travadas em buscar na cidade grande uma formação acadêmica, contrariando o genitor, velho latifundiário e senhor de vastas terras, que se julgava dono das três filhas, às quais tencionava o casamento ou o carmelo.
Conceição, que me narrou entre lágrimas copiosas, o ambiente doméstico, onde do pão ao afeto faltava tudo, acrescido de um companheiro dominado pelas fúrias, que o assaltava periodicamente, levando pânico à constelação familiar, quando surtava.
Berenice, retirada violentamente do corpo por um filho esquizofrênico, a quem ela agora prestava socorro, internado numa casa de saúde mental. Entre tantas agonias e relatos pinçados de amarguras e sacrifícios comovedores, pude também ouvir relato de abnegada mãe de dez filhos, ora guindada à atividade de inspirar uma notável instituição de amparo da criança ao idoso. Ela declinara de ser mentora, mas se inscrevera como operária da esperança, grupo que ela mesma intitulara, buscando arregimentar outras mães, avós e tias no socorro e na inspiração aos que ficaram na retaguarda, ainda agrilhoados ao escafandro de carne, em rudes lutas evolutivas.
Quando me dispunha a ouvir outros relatos nos bastidores do anfiteatro, fui chamada a tomar assento e subi o piso mais alto com o coração batendo descompassado no peito.
À minha frente estavam quatro mil mulheres, cerca de dois mil homens e histórias palpitantes e dramáticas. Recordei as mulheres do Evangelho, de Maria à sofrida Verônica, as irmãs de Lázaro, em Betânia, Madalena de Magdala e muitas outras que os biógrafos e teólogos esqueceram de anotar.
Comentei a abnegação das narrativas que acabara de ouvir e quando desci, no final da solenidade, uma jovem que trágico acidente de carro removera do corpo aos 21 anos de idade, presentemente uma filha pelo coração, Flávia Cristina, abraçou-me demoradamente e disparou uma pergunta a queima roupa, bem típico dela:
- Você pretende voltar um dia ao tablado do mundo na indumentária masculina ou feminina?
Diminui os passos, meditei alguns segundos que se me pareceram séculos e pisquei o olho.
Ela sorriu e entendeu tudo.
Entre duas mulheres, o olhar dispensa largos discursos.
Entre as sombras do mundo e as incompreensões terrestres, na convivência com filhos ingratos e parceiros áridos, fulgura o coração da mulher mãe, que se abnega e se consome entre as quatro paredes, lutando com todas as forças para triunfo de sua prole. E no grande além, esse coração se converte em sol de amor, diluindo as trevas, fazendo resplandecer a lídima esperança.
A todas as mães, abnegadas na maternidade sofrida, e hoje anjos maternos da família, além da neblina carnal, minha mais ardente homenagem, rogando ao Governador da Terra, Jesus Cristo, que nos mantenha em Sua misericórdia e paz.
Marta
Salvador, 21.07.2022
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