Primavera de Marta - Mensagem do dia 22.08.2022
- Casa de Jesus

- 22 de ago. de 2022
- 3 min de leitura

Entre os tormentosos fenômenos da modernidade, a ansiedade se apresenta como um enorme obstáculo à aquisição da paz. Milhões de homens e mulheres, no afã do triunfo na ribalta das aquisições passadiças, abdicam da harmonia interior para se ajustarem ao carrossel da vida agitada, ceifando a saúde e arruinando o frágil equilíbrio emocional. Já não é novidade a busca por terapias, livros de auto ajuda, gurus e receitas em dez passos que devolvam ao ser a serenidade esbulhada.
Ocorre que quase na sua totalidade, quando seus sintomas começam a dinamitar a qualidade de vida, o ansioso é constrangido a buscar lenitivos e terapias de superfície, que mascaram os sintomas desagradáveis, sem penetração nas suas causas profundas.
O que se deseja é uma receita infalível, como os planos do Cebolinha contra a Monica dentuça, a fim de que esse algoz abandone o território orgânico, nos devolvendo a paz violada. E se o chá ou o ansiolítico, a infusão milagrosa não surte o efeito desejado, se adiciona novo ingrediente danoso ao caldo da ansiedade já existente. E de maneira ligeira, a triste marca do século findo e deste novo milênio vai sulcando as almas, lhes deixando mossas de uma agitação que não cessa nem oferta trégua.
Aparentemente o indivíduo é tranquilo na máscara facial, mas seu interior jaz em erupção incessante. Toma de um livro com visíveis sinais de interesse no seu conteúdo para, dez minutos depois, descartá-lo na prateleira, ansioso por novo título, que igualmente a ansiedade não deixará degustar intelectualmente.
Alguém que nos surge para narrativa de um fato ou busca de ajuda, e nosso mecanismo interno, agitado, vibra para que o inesperado desabafo seja o mais breve possível.
Ansiosos no aeroporto.
Inquietos na estação rodoviária ou no aguardo do metrô, e ao alcance das mãos inquietas o aparelho onipresente, onipotente e onisciente, para onde nos dias atuais canalizamos quase toda nossa ansiedade.
Ver o noticiário ligeiro, o resultado do futebol, a intimidade das celebridades e a agitação dos bastidores políticos.
E ela, voraz e destruidora, consumindo por dentro as províncias da calma e as ilhas da paz interior.
Onde localizar um antídoto, um gatilho, uma tisana onde possamos eliminar de vez essa agonia de querer viver o amanhã, sem antes atravessar o hoje.
Ansiar inconscientemente pela tragédia, até que ela chegue e construa em nós o estado de luto, de aflição e de agonias sem fronteiras.
O corre-corre que não cessa, não ofertando pausa para um minuto de silêncio entre os tambores da música psicodélica da atualidade. A crônica ausência de tempo para cuidar da alma que somos, nos subtraindo ao corpo em que estagiamos temporariamente.
Para onde fugiu a serenidade que permite ouvir o outro sem lhe interromper a narrativa? Em que local encontrar uma cápsula que nos devolva a faculdade de aguardar o novo dia na companhia da paciência, sem a febre destruidora que aniquila a esperança?
E muitos ansiosos correm atrás de templos religiosos, terapeutas famosos, livros infalíveis, receita do tipo "tiro e queda", onde a ansiedade está embutida nas soluções ligeiras.
A tirania do relógio.
A escravidão a compromissos múltiplos.
Sim, se mergulhamos de maneira sôfrega no escuro rio da ansiedade, certamente que sua saúde terá um custo: desacelerar a agitação que nos devora.
Incluir no cotidiano novos hábitos, entre eles os instantes de oração sem pedidos descabidos à Divindade. Os minutos consagrados ao silêncio interior, onde possamos escutar a sinfonia dos astros e, como dizia Bilac, ouvir estrelas de vez em quando...
Contemplar um poente de fogo em completa abstração das inquietações terrestres.
Caminhar por entre veredas com os pés descalços, sentindo o contato com a pele da mãe Terra.
Diminuir o tempo de exposição nas mídias, fator gerador de muita ansiedade, buscando resgatar na intimidade aquele ser que inundou o mundo de luz.
Vestiu-se de carne numa manjedoura.
Despiu-da organização fisiológica numa trave de infâmia.
Era e permanece sendo nosso oásis nesse deserto de desejos insanos que se entrechocam.
É nossa fonte de água pura ainda não conspurcada pela neurose coletiva desses dias de inquietação.
Seu barco continua deslizando suave nas águas mansas do Tiberíades, nos convidando a um passeio com Ele, onde toda aflição cessa, toda agonia se retira e toda ansiedade se volatiza, nos permitindo a reconquista da homeostasia violada.
Conseguiste ler essa página sem a ansiedade que te convulsiona os dias?
Se não, não faças consciência de culpa. Em nada contribuirá para tua renovação. Amanhã, que será um lindo dia, voltaremos a nos reencontrar, sem ansiedade.
Marta
Salvador, 22.08.2022



