Em uma vigorosa obra de despertamento de consciências, a respeitável médium e trabalhadora do Evangelho Yvonne do Amaral Pereira descreveria uma experiência comovedora onde, arrebatada do corpo em sono letárgico, foi levada pelo caroável Espírito Bezerra de Menezes ao Morro do Querosene, região montanhosa do Rio de Janeiro, no ano de 1928. Essa fascinante experiência rendeu a novela "Nas telas do infinito", de conteúdo denso e dramaticidade contagiante.
Vidas diversas desfilam nas angústias da miséria material, da pobreza extrema, sob o ferretear da tuberculose destruidora, levando uma personagem ao resgate de seus dramas do passado, cujas ações infelizes haviam sido cometidas na formosa cidade carioca do mesmo nome, nos tempos do Brasil Império.
Mas hoje, elastecendo o fio de tantas vidas que se homiziam nas agitadas metrópoles de nossos dias, difícil não será perceber que por detrás de barracões miseráveis, tugúrios infectos e casebres em ruínas muitas vidas expungem dolorosas ocorrências infelizes do pretérito de arrogância e avareza.
Excelsa ferramenta pedagógica da vida, a reencarnação se torna o canal por onde trânsfugas do passado ressurgem nos cenários onde delinquiram para novos tentames no presente, buscando reabilitação diante dos inexoráveis decretos da vida.
Teratologias funcionam como freios aos impulsos infelizes, educando o ser que se deixou levar pela loucura dos instintos.
Limitações orgânicas reeducam a alma revoltada e tóxica, drenando as viciações teimosas.
Pobreza lecionando renúncia e desprendimento.
A solidariedade apertando laços que a intriga e a traição vergonhosa deslustraram em conúbios insensatos.
Ali, naquele cenário que a entidade veneranda se valeu para retratar algumas vidas, desfila um pouco de cada um de nós quando, igualmente visitados pelo infortúnio e pela dor, costumamos eleger a inconformação e a revolta como manifestações de nosso primarismo, acusando a sorte ou o destino pelos aguilhões que vai lançando em nossa estrada. Deslembrados das ocorrências perturbadoras de outrora, nos sentimos injustiçados pela Providência Divina quando desabam sob nossos telhados emocionais as periódicas tempestades da renovação e da mudança.
O granizo dos testemunhos.
O vendaval das mudanças abruptas.
A enchente de dores e holocaustos de que ninguém se furtará de enfrentar, hoje ou amanhã.
Os morros da indigência hoje estão por toda parte. Seja nas favelas, onde se ocultam os mais vulneráveis, seja nos condomínios de luxo, a dor espreita cada um, trazendo à sala de aula da existência as lições aviltadas no ontem próximo ou distante. Nenhum equívoco ou injustiça pode proceder de leis perfeitas. Pessoa alguma sob experiências difíceis a que não faça jus, seja por deliberação própria na pátria invisível, antes do mergulho na neblina carnal, sejam aquelas que a lei de causa e efeito preparou para reequilíbrio do ser perante a própria consciência.
Se presentemente atravessas rudes experimentos, difíceis lições e sorves a amarga cicuta, ergue teu semblante para a policromia dos céus e bendizes a prova que te aperfeiçoa.
Roga forças para suportar o madeiro que lavraste na marcenaria das próprias ações.
Silencia tua revolta sem sentido, buscando convertê-la em êmulo impulsionador de novos horizontes.
E quando as lágrimas sejam tantas que turvem a visão do caminho, recorre à prece ardente, rogando a Deus uma faísca que aponte rota segura na estreita avenida do aperfeiçoamento contínuo.
Por mais duros sejam teus aguilhões, sobreviverás. E mesmo que a noite te seja medonha e escura, nada te impedirá de contemplar um novo amanhecer, onde, liberto dos andrajos e farrapos de tuas sandices de outrora, possas librar acima das inquietações da matéria, qual pássaro de luz, que se libertou da gaiola de ossos para singrar os espaços infinitos.
Dentro dele compreenderás que nunca fostes abandonado por Deus, que te reeducou no tempo e no espaço, te fazendo estrela rediviva para fruição da felicidade sem jaça.
Marta
Salvador, 26.05.2022