Um mergulho na história cristã e um profundo fascínio tomará conta do pesquisador sinceramente interessado em conhecer as origens da doutrina que mudou o curso da história. Igualmente, é necessário estar desarmado de prevenções e criticidade tóxica ao examinar fundamentos que alteraram vidas, produzindo mártires e santos, missionários e apóstolos.
Em meio a uma raça que se orgulhava de suas origens difíceis, assinaladas por conflitos e dispersão por terras estrangeiras, onde a plataforma de crença estava firmemente assentada numa justiça implacável, na supremacia do macho e no monoteísmo intransigente, a suavidade da nova doutrina contrastava com a rigidez dos princípios hebraicos.
O amor era compreendido como submissão absoluta ao Divino, sem qualquer questionamento se era certo ou errado as atitudes adotadas diante da vida e do próximo. Contrariando essa logicidade, as bases cristãs propõem ao ser incessante tomada de consciência, onde razão e sentimento procuram dialogar na intimidade do homem, patrocinando sua libertação do fanatismo e da crença cega.
A centralização dos princípios religiosos, difusos no Judaísmo, tiveram patriarcas, profetas, juízes, guerreiros e monarcas como representantes máximos e inquestionáveis do Eterno entre os pobres mortais, e com Jesus essa orientação continuou, com a diferença marcante de que não se buscava mais a defesa e a supremacia da raça, pois Yavé tinha perdido o caráter de exclusivismo de um povo para se tornar um anseio universal. Todos os seres humanos eram filhos de Deus e estavam por ele protegidos, sem distinção de espécie alguma.
O intercâmbio com o mundo espiritual, que sofrera abrupta interrupção no Deuteronômio, imposta pelo filho das águas, era resgatado no Tabor, permitindo, doravante, que as criaturas desenoveladas do envelope corporal pudessem intercambiar com as prisioneiras da matéria densa. A universalidade cristã se opunha fortemente ao exclusivismo judaico. E, sensibilizando inicialmente os carentes de toda ordem, para depois aliciar milhões de adeptos, os ensinos de Jesus passaram a substituir as divindades olímpicas, incomodando Júpiter. De Nero a Diocleciano, recrudesceram as perseguições, culminando no extermínio de mais de um milhão de vidas, mas esse genocídio consolidou mais ainda a fé cristã, até que os seus postulados começassem a sofrer corrosão no paganismo interesseiro, que foi aderindo ao pensamento cristão para agradar os imperadores do quilate de Constantino, Justiniano e Teodósio, tendo este último convertido a doutrina de Jesus em oficial do decadente Império Romano do Oriente, com sede de Constantinopla.
A ingerência e contágio do paganismo em agonia fizeram fissuras na frágil tessitura cristã, levando Euzébio de Cesaréia a afirmar "que éramos muito mais fiéis e contritos quando perseguidos e exterminados".
A derrocada parecia iminente e talvez irreversível, causando uma espécie de blecaute na conduta de muitos, tisnando de sombras a límpida mensagem daquele que não tinha uma pedra onde pudesse repousar a cabeça dorida.
O Mestre enviaria ao solo do planeta milhares de missionários e servidores abnegados, o que impediu que a mensagem ficasse definitivamente esquecida. Resgatada pela humildade de um Francisco de Assis, a integridade moral de uma Tereza de Ávila, a fé inquebrantável de um Antônio de Pádua e uma postura transformadora de um Agostinho de Hipona, o suave frescor da mensagem de Jesus conseguiu preservar sua identidade e atravessar os séculos, aguardando o advento do Espírito da Verdade, que moveria as lápides das criptas frias, permitindo novo Pentecostes entre os homens no mundo.
Falam vozes, flutuam cadeiras.
Aparições e materializações se dão em abundância, favorecendo a ciência, que se liberta da mordaça teológica para voo solo.
O pensamento socrático é resgatado, permitindo questionar sem receio de fogueiras medievais.
A ciência devassa a matéria, descobrindo o Espírito. A religião é forçada a aproximar-se dos laboratórios, buscando confirmação de suas teses.
E um frenesi, uma inquietação parece assaltar a fragilidade do humano, fortemente impregnado da culpa ancestral, praticada no mitológico paraíso, entre frutos proibidos e serpentes falantes.
Nasce a era da responsabilidade.
O ser é convocado, porque não dizer constrangido, a voltar-se para dentro de si mesmo, buscando resgatar suas origens divinas, amadurecendo raciocínios e decifrando as incógnitas que o atormentam nos caminhos terrestres.
Seu berço se torna simples retorno ao proscênio de lutas. O túmulo perde seu aspecto lúgubre, finalista e fatalista, para ser retorno e despertamento no grande lar, prosseguindo nas lutas evolutivas que nunca cessam.
Ó, cristãos de tantos matizes e tão diversas interpretações, buscai as fontes da mensagem de Jesus! Voltai vossa sede para as águas mansas e doces do velho Jordão!
Acolhei o Celeste Infante em Sua manjedoura improvisada e tendes coragem de O descrucificar das traves criminosas do Gólgota.
Abnegai-vos na disseminação dos novos princípios.
Vivei em sintonia com essas diretrizes morais austeras, mesmo contemplando uma Terra em bravias convulsões de soçobro moral.
Auxiliai a sociedade enferma, cujos espasmos de grave crise existencial parece fulminar quase todos.
Tendes fé! Tendes esperança!
Vencendo a noite escura da alma, Jesus espera um pouco mais de vós.
Marta
Salvador, 26.08.2022