Enquanto o homem sonha com um futuro risonho e isento de conflitos, o seu presente se faz tormentosa travessia evolutiva. Canhões ditam regras, exércitos decidem fronteiras e a guerra econômica e tecnológica ceifa incontáveis vidas pela fome e pelas disputas estéreis. Os armistícios se fazem tréguas ligeiras, onde as forças diversas da infantaria são reorganizadas para novos combates, patrocinando o caos e o medo, a incerteza e a inquietação no seio das massas em desgoverno.
As magníficas conquistas da civilização do século XX no campo das luzes e da tecnologia parecem não ter forças suficientes para projetar o ser humano nos albores da nova era, ainda envolta em muitas dúvidas.
Decretaremos o fim dos muros entre as residências? A baioneta e o tanque de guerra serão convertidos em arados?
Edificaremos mais escolas e academias e menos presídios e hospitais?
Vinte séculos de cristianismo e ainda escassas colheitas no campo do espírito, que segue pela estrada, atormentado de dúvidas e esbatido por desassossego incessante. Tem sede e fome de paz, mas não abre mão dos massacres periódicos para impor ideologias no campo da política e da dominação aos povos vizinhos. Reitera sua confiança nas religiões que pontificam no cenário das crenças diversas, mas não cessa de alimentar sua natureza bélica, prestando tributo nos altares de sangue e horror, com que desfigura as mais belas expressões de espiritualidade conquistada.
Seus relatos da história são minuciosos, sua preocupação com a ciência e o desbravamento das fronteiras do conhecimento o projetam além dos limites do planeta onde habita a milhões de anos, mas ainda se nutre da indiferença pelo outro, do tacão da força e da arbitrariedade no trato das questões raciais e étnicas.
O discurso não consegue harmonia com a prática, e esse ser insaciável na curiosidade e nos experimentos, marcha desarvorado para glorioso porvir, carregando mossas morais profundas, contradições gritantes e traumas psicológicos de vulto.
Nossas escolas preparam o aluno para as rudes competições de mercado, mas não se vislumbra um investimento equivalente na formação do caráter, no manejo do desprendimento e na edificação de uma ética que promova a paz duradoura.
Sempre os mesmos estímulos à competição, patrocinando a supremacia do mais forte. O mito do macho alfa está em toda parte, mesmo que com outras nomenclaturas.
A família parece torporosa, as religiões manobram massas inconscientes, a internet torna-se tribuna de vidas vazias e os mercados se agitam atrás de consumidores vorazes.
Nesse atormentado cenário, homens e mulheres se lançam, sedentos, em busca do prazer sexual, dos relacionamentos apressados e das conquistas ligeiras, cujos tesouros estão sempre fora, raramente dentro da alma.
E mesmo quando os hercúleos esforços são premiados pelos tapetes vermelhos da fama passadiça, da fortuna ilusória e de corpos apolíneos, o cutelo da morte a tudo reduz a pó e lama, na incessante travessia do ser de sua aparência para a real essência, que o aguarda além das cortinas de carne.
Se o futuro pertence ao Espírito, imprescindível se faz investir nas ocorrências da alma imortal. Aprofundar a busca pela realidade profunda. Insistir no resgate da mensagem cristã, devolvendo ao ser hebetado algum sopro de esperança.
Criar pontes e diminuir muros.
Ousar nas investigações que o conduzam a decifrar a morte, equacionando suas milenares interrogações acerca do destino, da dor e da vida futura.
Mesmo que conquiste o espaço profundo, impostergável que se conquiste. Se conheça. Saiba de onde veio, como aqui chegou e para onde vai depois do despejo da casa de carne e ossos.
Amplificando as conquistas no campo do afeto, substitua paixão por amor, egoísmo por fraternidade, conflito por paz duradoura e intolerância e preconceito por resiliência e compreensão das diferenças.
A ansiada sociedade do amanhã inevitavelmente chegará, trazida pelas mãos do tempo, senhor soberano da história, mas necessita encontrar homens novos e mulheres renovadas, que estejam em sintonia com uma construção psíquica que irá privilegiar não o que detenhamos, o que conquistamos por fora ou o venhamos a exibir como lauréis das humanas ocorrências. Esse novo tempo premia aquele que mais ama, quem se abnega pelo próximo, se faz voluntário de uma fraternidade sem fronteiras e reconhece estar num mundo, sem ser do mundo.
Se já possuis algum informe mínimo de tua transcendência, és um sério candidato aos labores de edificação do tempo novo, que bate à tua porta.
Trabalhador da última hora, ecoa em tua intimidade profunda o apelo D'Ele para que vás à vinha, que espera mãos diligentes para o cultivo da safra farta.
Ele te chamou? Atende o chamado!
Tem vinte séculos que Ele aguarda a decisão de muitos. Incontáveis desistiram, outros tombaram nos portais da oficina e milhares disseram não quando perceberam o salário.
Anseias pelos ouropéis transitórios? Ainda és um assalariado de César.
Cultivas o desejo sincero de ajudar na edificação do admirável mundo novo?
Entra! A agência divina está repleta de oportunidades e múltiplos serviços, mas somente para quem tenha olhos de ver e ouvidos para ouvir.
Deixa no mundo o encanto e o canto da sereia, que atrai os marinheiros desavisados para os traiçoeiros rochedos, despedaçando os frágeis barcos da existência terrestre. Rema o teu para o porto seguro da alegria sem ufanias e com Jesus começa, desde hoje, a viver sob os esplendores de um novo tempo.
Marta
Salvador, 27.05.2022