Em milhares de séculos de civilização e cultura erguemos nações e impérios faustosos, onde o mando e o poder disputaram espaços, gerando incontáveis conflitos, a derramarem sangue de inocentes e famílias inteiras. Não obstante nossa índole belicosa, edificamos escolas e liceus, academias e universidades respeitáveis. Apesar desse esforço, a ignorância e o analfabetismo ainda persiste em milhões de indivíduos.
Construimos fóruns e templos veneráveis de justiça, e nem por isso nos forramos ao abuso e à arbitrariedade, deslustrando o Direito.
De Hipócrates até nossos dias saímos da superstição e das crendices no terreno da saúde para a precisão nos diagnósticos e na erradicação de enfermidades cruéis pela vacinação em massa, mas ainda carregamos difíceis morbidades no corpo precário e estigmas da alma.
Dominamos as técnicas agrícolas, extraindo da terra generosa fartura de grãos, e a fome persiste, avassaladora e cruel, dizimando na atualidade comunidades inteiras.
Em tempo algum tivemos tantos meios de comunicação como nos dias correntes, mas o isolamento afetivo perdura, doloroso, em muitas almas, sedentas de afeto e amizade, reféns de sombras íntimas.
Da caverna à palafita, da choça misérrima ao condomínio de luxo gastamos fosfato na construção e movimentamos operários e engenheiros, mas ainda persiste os sem tetos, os milhões de refugiados e os que deambulam nas ruas e praças, vagando quais almas penadas.
Inegável reconhecer que nosso estágio tecnológico suprimiu a dor em muitos aspectos, varou os abismos oceânicos e desvendou inúmeros segredos do espaço, mas nosso maior problema, nosso mais complexo dilema não reside nos anéis de Saturno ou nos mais de 90 satélites naturais de Júpiter. Estão aqui mesmo, na Terra.
Pobre Gaia, violentada e explorada sem piedade!
Rasgamos tuas entranhas e dela arrancamos o ouro negro, em que ora nos debatemos por sua posse. Dizimamos tuas florestas e sobre os carvões dos incêndios criminosos, erguemos nossos espigões, onde nos ocultamos do outro, temendo o desvelar de nossa hipocrisia e insensatez.
Poluímos tuas águas salgadas e doces, te inundando de lixo industrial e doméstico, esquecidos de que estávamos e estamos envenenando a nós mesmos.
Nos renovamos na frente do espelho, retocando a maquiagem e o cabelo, tentando disfarçar a fealdade da alma.
Enquanto persistir a ilusão e o aprisionamento voluntário aos caprichos do ego, seremos uma sociedade atormentada e sedenta de paz, trafegando do nada para lugar nenhum.
Exibiremos muito por fora, despossuídos por dentro.
Ergueremos troféus e pedestais aos heróis passageiros dos triunfos mentirosos do mundo, olvidando que a maior batalha não é externa, mas sim contra as paixões.
Enquanto o egoísmo não for erradicado, a presunção domada, o orgulho submetido, a ignorância esclarecida pela cultura e a agressividade convertida em legítima fraternidade, poderemos nos ufanar de conquistas cibernéticas e redes sociais sofisticadas, onde se ocultam milhões de atormentados da alma e do sentimento, mas ainda seremos tão somente uma comunidade culta e esclarecida, não evangelizada e não educada.
Unicamente o autoconhecimento poderá nos resgatar de nós mesmos.
Joio e trigo podem conviver juntos, mas somente um se converte em pão.
Ter não significa triunfo sobre as mazelas morais e vitórias sobre as paixões em desgoverno.
Nas linhas morais do Cristo encontraremos subsídios para uma vida feliz e abençoada, rica de júbilo e harmonia. Quem viaja para dentro se encontra. Quem permanece no externo, apenas adia o reencontro consigo.
Se as agonias do mundo te inquietam a alma sedenta de novos horizontes, se te vês aturdido com tantos seguidores e tão poucos amigos, se a solidão te vergasta no meio das multidões em tresvario, se a música psicodélica te maltrata os tímpanos sensíveis, decide-te por novo rumo em tua existência.
Expede teu decreto de libertação desses grilhões modernos.
Tem coragem de romper com aquilo que te desfigura e adere a uma nova estrutura de entendimento acerca da vida.
Nada podes mais fazer em relação ao teu ontem, mas teu hoje é sublime convite à mudança que até agora aguardavas do mundo.
Muda, tu!
Faze-te pessoa nova por dentro, lança fora essa roupagem desgastada e prepara teu porvir desde hoje, adotando as diretrizes morais de Jesus.
É bem provável que a sociedade te condene o gesto, a família te critique as novas atitudes e o grupo de amigos comuns se afaste de ti.
Avança, mesmo que sozinho.
Mais à frente, Ele te espera, como tem te aguardado há dois mil anos...
Marta
Salvador, 29.03.2022