Em tempos de convulsão várias, ter logo pela manhã más notícias equivale a um soco no estômago. Certamente que nem sempre poderemos nos furtar a consumir o noticiário nas primeiras horas após o despertar, considerando a nossa necessidade de nos informar quanto ao deslocamento na cidade, o tipo de profissão que exercemos e a pauta de compromissos que a cada um está reservado no novo dia.
Desacostumados do hábito da prece, poucos se forram das ocorrências perturbadoras que nos espreitam após a saída de casa e os primeiros contatos com a via pública. Estaremos, durante todo o dia, em contato com pessoas que dormiram mal, acordaram indispostas e fazem do mau humor e da agressividade suas companhias habituais. Travando contato breve ou demorado com elas, estamos sujeitos ao contágio.
O motorista em desequilíbrio, transportando crianças à escola ou conduzindo coletivos urbanos entupidos de gente apressada.
O vendedor que se dirige ao ponto de trabalho, carregando consigo um transtorno emocional que descarregará, consciente ou inconscientemente, aos clientes que lhe surjam à frente.
O servidor público, civil ou militar, que terá contato com inúmeras pessoas, mas carrega na intimidade uma distonia de natureza psíquica, suscetível de incendiar outros corações que estejam em quase combustão.
Se o palito de fósforo aceso se encontra com o líquido inflamável não podemos aguardar uma conferência de paz.
Cada dia travaremos luta intestina contra as próprias imperfeições. São desafios que se agitam em nossa intimidade, sem que a esmagadora maioria das pessoas saibam o que estamos atravessando. E quando adotamos as diretrizes morais do Cristo, nossa conduta passa a ser diferente.
Sim, carregamos amarguras e aflições. Os outros, também.
Dívidas dormiram conosco e desde cedo exigem quitação, sem que tenhamos o numerário para solvê-las junto aos credores. Centenas de pessoas estão nas mesmas condições.
O sacerdote digno, o representante religioso, cuja voz acalma e pacifica muitas vezes nas redes sociais ou nos cultos presenciais, hoje saiu da cama sedento por uma palavra gentil, alguém que o pudesse ouvir, no desabafo de que tem necessidade em pé de igualdade junto daqueles que atende diariamente.
Quando o cristão desperta para o novo dia, ele está plenamente consciente de que será desafiado pelas tentações do mundo, sofrerá pedradas, estará com gente neurastênica, ouvirá desabafos difíceis de digerir e será posto a testemunho em ocorrências aparentemente desprezíveis do cotidiano.
O que vai dizer, como vai reagir ou que atitudes adotará, isso é imprevisível.
Cada um no seu quadrado.
Cada pessoa, uma incógnita evolutiva.
Cada problema tem sua gênese própria, demandando tempo e paciência para sua solução.
Importa não agredir pessoa alguma.
Iniciar os labores na paz e encerrar o dia na companhia da paz.
Ser atingido pelos petardos alheios faz parte das contingências naturais da vida, da convivência com instáveis e da deliberação do livre arbítrio de cada um.
Não se permitir secretar o líquido escuro da intoxicação emocional, qual morbo pestilento que paira sobre todos.
Atingido, fazer uma pausa ligeira e buscar silenciar a casa mental em descompasso, se valendo da prece e do silêncio refazente.
Se colocar mentalmente no lugar do outro, cogitando que aquela pessoa saiu de casa com uma brasa nas mãos, a lhe requeimar os dedos. Está em nossa frente, como se fôssemos o bombeiro que vai por fim à queimadura dolorosa.
Nem sempre estaremos na plataforma do equilíbrio máximo, podendo dispensar ao outro em tresvario emocional uma gota de bom senso ou alguns instantes de serenidade, mas a consciência, já iluminada pelas claridades diamantinas da mensagem de Jesus age em nós como poderoso farol.
Até aqui, dissipou nossas incertezas, iluminou nossa rota e tem evitado a queda nos despenhadeiros da loucura ou da obsessão.
Se podes, ilumina alguma vida que te surja desarvorada.
Querendo, socorre alguém que esteja à beira do precipício.
Dialogando com calma, oferta ao perdido um pouco de rumo certo.
E se as circunstâncias te constrangerem ao silêncio, fecha a boca e abre o coração aos eflúvios da vida abundante, recolhendo dos inesgotáveis reservatórios da Divindade o orvalho de harmonia e luz que pessoa alguma pode te furtar.
Se na noite escura da alma tu sejas chamado a ser poste, acende a modesta lamparina que já trazes no peito e esbate a escuridão reinante.
Seja tu, hoje, um sol de esperança na vida de alguém. Pode ser tudo que ela aguarda para não perder a sanidade mental e o próprio rumo.
Marta
Salvador, 30.05.2022
Comments