Terra, perdoa minha passagem pelo teu solo!
Somente agora, liberta das algemas orgânicas, dou-me conta da dívida para contigo.
Sorvi tuas águas transparentes e puras, comi de teus frutos, degustei o pão que teus campos me ofertaram no trigal em festa e atravessei teus prados em êxtase, como o poeta que busca inspiração para o verso ligeiro.
Pisei tuas areias e olvidei te agradecer tuas praias serenas.
Banhei-me em teus salgados oceanos e não proferi uma rogativa de gratidão.
Deslumbrei-me com tuas noites estreladas e deixei fugir o instante de estesia.
Terra, Terra amada, perdoa tua filha ingrata!
Quantas sementes tive nas mãos e não depositei em teu solo ubérrimo?
Quantos ninhos não defendi de caçadores impiedosos, preservando as vidas frágeis que conservas?
Deixei de cantar tuas belezas e me vi perdida nas madrugadas de melancolia.
Quando as criaturas me negavam socorro, teu vento me trouxe o alento da esperança, tuas manhãs inundadas de sol dissiparam minhas tristezas noturnas e teus poentes de fogo me otimizaram a existência descolorida.
Descobri, tarde, quanto te devo e nada tenho para te devolver tantas bênçãos que de ti recebi.
Tuas ervas medicando minhas feridas.
Teu silêncio, aquietando minha ansiedade.
Teu chão, onde numa tarde assisti meu burrinho de carne tombar, exangue, sendo acolhido por tuas entranhas como sendo a derradeira morada.
E envolta em tua manta de mãe generosa, me vi transportada para diferente céu, onde estrelas faiscavam na minha despedida do mundo.
Ó, Terra bendita, desculpa se não te valorizei!
Perdoa a filha ingrata que te sugou a seiva farta, como a criança que se nutre de leite da ama cansada do leito da escravidão.
Tenho um tributo não pago para com tua generosidade.
Agora, livre na pátria invisível, cercada de amores do ontem, te vejo com outros olhos. Busco teus montes altaneiros, teus desertos áridos, tuas geleiras imponentes, teu céu muito azul, ajoelhando-me em prece de gratidão.
Terra, acolhe minhas madressilvas como singela lembrança do muito que de ti recebi.
Tenho gemas que arranquei de teu ventre, sementes que subtrai de tuas florestas e o orvalho que acumulei de tuas manhãs frias.
Entre tuas rosas meu velho corpo se desfaz na cripta modorrenta.
Guardo de ti minhas melhores lembranças, desde minha infância risonha até minha velhice pensativa.
Hei de regressar um dia aos teus espaços outra vez, como se eu fosse a filha pródiga, que empreende a viagem de volta e se atira nos braços da mãe farta, buscando acolhimento e ajuda.
Terra, sê minha maternidade e sepulcro outra vez!
Dá-me a possibilidade da redenção em tuas escolas!
Leciona ao meu coração o poema da reverência e da gratidão!
E então, somente então, poderei bradar em êxtase indescritível: Terra, mãe generosa e bendita, Deus te conserve e proteja!
Mesmo maltratada e drenada, oferta tua vitalidade para que teus filhos ingratos nasçam e renasçam em teu solo de nutriz incomparável.
Bendita, sejas!
Marta
Salvador, 31.05.2022
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